clarice recebeu seu nome por causa da escritora. para ela, isso é motivo de orgulho. ser chamada como a escritora – dona dos melhores livros da literatura brasileira, ela me diz – a faz estufar seu peito – um busto pequeno, de seios não fartos, mas firmes e suculentos, donos de uma brancura de fazer inveja a muitas folhas de papel. ela não parece aceitar bem quando rio todas as vezes em que fala dos livros, mas parece gostar quando – enquanto lambo seu pescoço e ela geme de leve com minhas mãos passeando por seu corpo, sentindo suas carnes das ancas e seios – digo que ela é melhor que a homenageada em todos e quaisquer sentidos.
os pais de clarice eram educadores. o pai ensinava literatura e a mãe ensinava português (não cabe aqui meu relacionamento com os dois. talvez em tempos futuros eu conte os causos divertidos e os dramas de ter sogros fanáticos por escritores que não gostamos). clarice saiu uma fanática por livros e foi numa das bienais da vida que a encontrei. ela me viu perguntando a algum dos trabalhadores do estande em que estavamos se havia algum escritor nacional interessante. então ela veio na minha direção – enquanto o vendedor me indicava uns livros – e me disse que devia ler clarice. ela disse isso num sorriso que indicava que, se meu rosto agisse como tipicamente – com uma careta seguida de um longo não – , não falaria com ela por muito mais tempo. no entanto, ela era uma garota tão linda – os olhos verdes, as sardas no nariz, os cabelos castanhos, os lábios e bochechas rosados – que mesmo depois daquela indicação eu quis manter uma conversa com ela. então, fingindo um interesse que não tinha, desviei minha atenção dos conselhos que pedira ao vendedor e me foquei em perguntar a ela o que ela recomendava. ela me falou de livros que já li – quatro – e alguns dos que não li, mas fingi completa ignorância em relação ao assunto e disse nunca ter lido nenhum trabalho dela. no meio dessa conversa inicial trocamos nomes e emails com a promessa de auxiliar um ao outro com boas dicas de leitura. cumpri minha promessa, ela não.
depois dessa nossa conversa, cerca de dois dias, creio, ela me apareceu no email perguntando como eu ia, o que fazia e se tinha encontrado a mágica de ler clarice. eu disse que tinha começado a ler clarice agora, porque ela só tinha me escrito agora. ela disse que eu deveria ler a original – consigo ouvi-la dizendo isso com sua voz aguda e estridente, às vezes irritante, num tom de chateação por eu não ter feito as coisas como ela queria – e que, se eu quisesse, ela me emprestaria seus livros mais queridos. eu concordei, marcamos de nos encontrar numa cafeteria no centro da cidade. cheguei e ela já estava lá, perguntei se havia chegado há tempo e ela disse que não, que acabara de chegar (mais tarde ela confessou que tinha chegado lá uma hora antes de eu aparecer, tomado uns dois cafés irlandeses e começado a escrever duas vezes uma carta indicando seus trechos e aspectos favoritos da escrita da clarice original, mas havia desistido as duas vezes). tinha os livros numa sacola, eram três, eu disse que achava melhor não levá-los todos e ela disse que fazia questão que eu os levasse todos, que não tinha pressa e que havia uma ordem de leitura especial. perguntei se era a cronológica, para sentir a evolução da escritora, e ela me disse que não, que era uma ordem sentimental – o primeiro livro dela que ela lera, passando pelo mais marcante e pelo mais “intenso”. eu disse que leria, que pensaria nela enquanto lesse. ela sorria. depois de algum tempo de conversa, resolvemos dar um passeio – fora do café o sol já tinha se posto – em busca de um bar. foi no caminho do bar que coloquei meu braço ao redor de sua cintura e senti seu calor vindo em minha direção, então, seus lábios vieram contra os meus e sua língua se movia feito uma enguia fora da água na minha boca.
passei quatro semanas lendo os três livros que ela me passou (dois deles eu já tinha lido, mas não disse a ela e terminei relendo-os) e não consegui gostar de nenhum. nesse meio tempo, encontrei com clarice algumas vezes – em média, saíamos duas vezes por semana, o que nos deixa com cerca de oito saídas – e começamos a nos relacionar carnalmente. creio que foi na quarta ou quinta saída que aconteceu nossa primeira conjunção carnal. foi na tarde de sábado em que devolvi seus livros, o dia em que ela me chamou para ir à sua casa pela primeira vez, o dia em que conheci válter e cecília, os pais de clarice. uma palavra para descreve-los seria excentricidade. eles me perguntaram sobre meus pais, sobre o que eu fazia, perguntaram se eu gostava do que fazia, eu menti como faço com todos e disse que sim, que estava achando tudo muito interessante. eles continuaram me interrogando para saber onde estudei, com quem andei, que músicas ouvia, que livros lia, que filmes assistia. e respondi a tudo com prontidão e solicitude. querendo passar uma boa impressão a quem, achava, seriam meus futuros sogro e sogra. eles me falaram da infância de clarice e outras amenidades assim até que chegou a hora do da janta e ela foi servida. nos alimentamos e depois saí com clarice para um show num teatro, havia uma exposição fotográfica na ante sala. não lembro bem o que a banda tocava e nem prestei atenção às fotografias expostas. naquela noite clarice dormiu na minha casa sem que ninguém além de nós dois soubessemos. foi aí que descobri que clarice adorava dar o cu. ela sentou no meu colo, depois de nos chuparmos por um bom tempo, e disse – ao meu ouvido – que queria dar o cu pra mim. devo admitir que isso me emocionou, até porque nunca tinha encontrado alguém que me dissesse isso. geralmente eu tinha que insistir em tentativas frustradas cujas respostas variavam entre: “só depois do casamento” e “nunca! jamais!”, passando pelo “eu dou o meu se você der o teu”. devo esclarecer que minhas pregas continuam intactas e, apesar de ter pensado em casamento algumas vezes, nunca cai na armadilha. depois do baque da notícia, resolvi que não desapontaria clarice. clarice abriu sua bolsa e tirou dela um tubo de lubrificante à base de água. sorriu para mim com um jeito sacana que aumentou exponencialmente o meu tesão. dei-lhe um beijo grego – nunca tinha realizado o ato, mas não hesitei – quando ela estava em pé, ao meu lado, e eu a virei, fazendo-a encarar a parede e enfiei minha cara entre suas nádegas firmes e deliciosas. depois ela apertou o tubo de lubrificante no indicador e fez seu dedo sumir onde antes minha língua passeava. ela mandou que eu sentasse na cama e se pôs por cima de mim. beijando-me, colocou a mão no meu pau e o colocando em contato com seu cu. senti seu esfíncter contraindo e relaxando com o toque da minha glande. depois senti o aperto quente e a resistência, senti seu interior apertando meu pênis. clarice gemia algo entre dor e prazer – indestinguível – bem no meu ouvido, então começou os movimentos.
clarice gostava de entrar no meu quarto quando eu não estava em casa – no terceiro mês de namoro entreguei a ela uma cópia da chave do apartamento – e escolher cinco ou seis dos meus livros da estante, sempre algum de poesia estava no meio – os livros que eram da minha mãe e que um dia resolvi mudar das prateleiras dela para as minhas. deitava na cama com os volumes e ficava lá, folheando os livros, procurando trechos que lhe agradassem. quando eu chegava em casa, encontrava seu corpo semi-nu ocupando o meu colchão, às vezes dormindo, às vezes lendo. um dia, nós dois deitados na cama, ela apontou para os livros e perguntou para mim qual deles era o meu favorito.
“eu não tenho um favorito. é como escolher um filho pra amar mais. cada um deles, até o pior, me fez algo bom.”
“então seu escritor favorito dentre todos esses aqui. tem um?”
“tem sim. demorou para aparecer pra mim, mas apareceu: roth.”
“quem?”
“você não sabe o quanto parte o meu coração por não saber quem ele é. philip roth, americano, judeu. consegue falar as verdades duras da vida como nenhum outro. todas as vezes que o leio me angustio por não conseguir chegar perto de sua maestria.”
“o que eu deveria ler dele?”
“tudo. mas eu sei que você não fará isso.” levantei e peguei um volume. joguei na barriga nua dela.
“ai.”
“comece por esse.” deitei mais uma vez ao lado dela. e comecei a beijar seu ventre nu enquanto ela folheava o livro que lhe entregara. sentia o cheiro bom de sua pele enquanto minha língua passeava ao redor do seu umbigo. ela mantinha uma concentração forçada até que tirei sua calcinha e enfiei minha língua entre suas pernas.
clarice demorou quase dois meses para ler o livro inteiro. cheia de desculpas esfarrapadas, dizia que estava ocupada na faculdade, que tinha pouco tempo para a leitura, que sua capacidade de se concentrar havia se alterado. perguntei o que ela achou. no que ela me respondeu com um
“é… assim… é bom, mas falta algo.”
meu coração foi acelerando. milhões de pensamentos passaram em minha mente e nenhum deles era elogioso a ela. sabia exatamente o que ela iria dizer. ela diria com uma voz mansa que era diferente do que ela gostava, que era algo que ela não esperava, que ela pensava que fosse ser algo mais intimista e subjetivo, algo cheio de metáforas sem sentido como as que ela tanto gosta, cheio de falta de coerência.
“falta o quê?” perguntei controlando a voz para que parecesse o menos trêmula possível.
“ah… sei lá… acho que eu esperava algo diferente. pensei que ele seria algo intimista e subjetivo. algo mais perto do que eu gosto, sabe?”
o que sentia em mim, naquele momento, é difícil de descrever. minhas mãos formigavam, meu rosto devia estar roxo. forcei um sorriso, mas ele não durou muito.
“sei… sei…” não conseguia dizer nada além disso. “acho que você tem o direito de não gostar do maior escritor do século XX – e que continua sendo o maior no XXI!” me exaltei ao final da frase, estava quase gritando.
“há controvérsias” ela disse um tanto ofendida, se defendendo.
“é claro que há. mas não há quem diga que a melhor prosa está nas linhas da tua xará!” eu não sei o que estava me acontecendo, as palavras simplesmente iam saindo, eu queria ofendê-la por não ter o mesmo gosto que eu, por não saber apreciar como eu soube. sentia que ela era alguma espécie de ser bizarro por não concordar comigo e simplesmente idolatrar o Homem. acima de tudo, me sentia enfurecido por ela ter deixado implícito que clarice era melhor que roth. eu simplesmente não podia aceitar aquela inverdade, não podia deixar que uma pessoa acreditasse em algo tão inverídico quanto isso. minha cabeça começou a doer, o mundo começou a girar.
clarice foi para longe de mim. disse que não queria me ver, falou que não a procurasse mais, que eu era um louco, que eu deveria me afastar dela, da humanidade toda. acho que não exagerei só. estava me arrependendo de tudo o que havia dito. sentia dentro de mim um remorso, creio eu, um sentimento de culpa, uma perda que agora sentia e parecia maior do que eu podia aguentar.
numa tarde de quinta, uma semana depois do ocorrido, o telefone tocou, estava deitado na cama quando atendi clarice.
“oi” disse a voz suave no outro lado da linha. ouvi-la me fez pensar que ela me fez falta, embora esse tenha sido o único momento em que realmente sentira sua falta em toda a semana.
“oi” respondi
“como você está?”
“eu…” ela não em deixou responder e agradeci por isso, porque sei que se respondesse que estava bem ela se sentiria mal.
“estou com saudades.” o silêncio pairou com o peso dessas palavras.
“eu também estou.”
imaginei como ela estaria do outro lado, deitada em sua cama com o telefone em mãos, sei que ouço seu som ligado em uma dessas bandas de pop que tentam ser a salvação do samba e da mpb e que eu insisto em não escutar por saber que todas são iguais e não cumprem suas promessas.
“queria te ver.”
“quando?”
“ah, sei lá. mais tarde?”
“ahn… pode ser. não tenho nada pra fazer hoje à noite. cinema, pode ser?”
“prefiro ver filme na tua casa, na tua cama, deitada com você.”
“…certo.”
“e depois do filme quero que você entre e saia de mim várias e várias vezes em todos os orifícios. eu sinto falta disso, de você dentro e fora de mim.”
clarice sabia como me domar.
ela desligou dizendo que por volta das oito apareceria. na hora marcada, girou no trinco a chave que lhe dera, entrou na casa silenciosa e fechou a porta sem fazer ruído algum, como se não houvesse porta, algo que só ela consegue fazer por aqui. eu a recebi com um beijo. não vimos filme nenhum, é verdade, mas fizemos todo o resto planejado. e continuamos a fazê-lo por meses e meses. até que não mais.